top of page
  • Foto do escritorFlavia Vivacqua

ARTE E ECOLOGIA - percorrendo caminhos equidistantes

Início esse texto sem pretensão alguma de esgotamento dos temas abordados e com a certeza de que ele é apenas um estímulo para um posterior aprofundamento por quem o lê, por pessoas atentas aos acontecimentos do aqui e agora.


Arte e Ecologia não são assuntos novos, mas são indiscutivelmente temas atuais, caminhos eqüidistantes, sobretudo pela importância do pensar e agir sistêmico e criativo.


“A formação do pensamento já é escultura. ”

Joseph Beuys


É na busca incessante por respostas satisfatórias e práticas diferenciadas e urgentes no cotidiano de nossa existência e do mundo que a Arte – compreendida a partir dos campos da criatividade, linguagens e comunicação, que sempre tiveram suas evoluções imbricadas com as transformações sócio-culturais de cada época, precedendo-a, explicitando-a e nutrindo-a – e a Ecologia – compreendida como a organização sistêmica, suas dinâmicas e qualidades relacionais entre diferentes elementos – são abordadas aqui. 


No século XX, o cenário social se manifestou entre as guerras mundiais e os inegáveis avanços tecnológicos e científicos, a indústria bélica, a criação e a popularização do plástico, da televisão, da publicidade agressiva, o aumento do consumo, o desperdício e a poluição. Alcançamos a curva exponencial do crescimento populacional nos centros urbanos, com cidades inteiras desconectadas da natureza e de seus ciclos, dizimando florestas, tribos e culturas ancestrais.


Nas décadas de 60 e 70, buscando uma nova lógica que compreendesse as relações humanas e ambientais de maneira mais crítica, sensível e autêntica, frente aos padrões massificantes das megalópoles, nascidas com a Revolução Industrial no século XIX, alguns artistas urbanos e pioneiros – da Land Art, Enviroment Art, Earth Art e outras artes com novas e variadas linguagens[2] – iniciam a sensibilização com o meio ambiente e a retomada relacional com seus elementos e seres, em alguns casos resgatando ou buscando preservar culturas ancestrais.  


Também neste período, mundialmente, surgem comunidades intencionais [ecovilas ou assentamentos humanos sustentáveis], verdadeiros laboratórios de viver com o mínimo impacto e a máxima melhoria, exemplificando princípios e valores às futuras comunidades e organizações sociais e seus caminhos para a sustentabilidade.


Na Austrália da década de 70, o conceito e a prática da Permacultura[3] é criada pelos ecologistas australianos Bill Mollison e David Holmgren, integrantes de um grupo de ativistas urbanos que agiam em terrenos baldios da cidade com bombardeios de granadas de sementes e adubos naturais, criando também seus “Jardins Libertários” com as experiências de produção de alimentos ao “plantar no asfalto”.


Estas iniciativas já se nutriam dos princípios de desobediência civil e não-violência do movimento exemplar e inspirador que foi a “Marcha do Sal”, liderado pela espiritualidade engajada de Mahatma Gandhi, na Índia de 1930. 


Nesse mesmo período, a America Latina, que mal havia saído do domínio colonial e lógica latifundiária, era tingida pela ditadura militar em grande parte de seu território, incluindo o Brasil, Argentina, Chile, entre outros. Ainda que a produção artística sofresse violenta censura, manifestavam-se como e quando podiam. A cultura politizada, em cada um desses territórios, estava sintonizada com a revolução cultural comportamental e a contracultura hegemônica ocidental. No Brasil, somente no ano de 1984, depois de vinte anos de ditadura militar, os Brasileiros, com o maior movimento social já manifesto no país, as “Diretas Já”, conquistaram o direito ao voto e a voz. 


“Se a pessoa, depois de fazer essa série de coisas que eu proponho, se ela conseguir viver de uma maneira mais livre, usar o corpo de uma maneira mais sensual, se expressar melhor, amar melhor, comer melhor, isso no fundo me interessa muito mais como resultado do que a própria coisa em si que eu proponho. ” Lygia Clark


Na década de 80, o mercado, o consumo, a industrialização, a comunicação de massa e o apagamento das culturas tradicionais já haviam ultrapassado todos os limites do sustentável e ético, apontando um sistema hegemônico freneticamente crescente e desastroso para a humanidade no século seguinte.

 

Diante desse cenário das últimas décadas do século XX, pós-queda do muro de Berlin em 1989 e uma sequência de adaptações sócio-político-econômicas mundiais, surge a ECO 92, um movimento global liderado por organizações como a ONU e a UNESCO, além da efetivação de outros órgãos reguladores e todo o terceiro setor.


Nesse período, faz-se ouvir por todo o planeta, o movimento indígena, sobretudo o mexicano. Nesse movimento, podemos citar o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) pela impressionante e visionária organização comunitária e articulação em rede, utilizando-se dos meios de comunicação, principalmente a telefonia e a internet.


A Arte, por toda a década de 90, apresenta um jogo complexo entre os espaços e interesses público e privado, entre a publicitação [tornar público] e a propaganda, entre o necessário e o espetáculo, além de firmar sua prática na escala da cidade como o Arte/Cidade em São Paulo (1994), anunciando sua desmaterialização na Bienal de São Paulo (1996), e fortalecendo o pensamento e o agir político-social da arte com a marcante Documenta X em Kassel (1997).


Em 1999, as ruas de Seattle tornam-se palco do potente movimento social anti-globalização neoliberal, contrapondo o encontro da OMC – Organização Mundial do Comércio – com manifestações de milhares de ativistas criativos, sedentos por contar uma outra história, então, definitivamente conectados pela internet.


Na sequência, em passos firmes sobre esse caminho, pais e filhos, uma parcela das gerações em ação sobre a crosta terrestre, assumem um movimento sócio-cultural-ambiental de consciência ecológica, política e econômica global, impulsionando encontros como o Fórum Social Mundial no Brasil a partir de 2001.


"Plante ou acompanhe o ciclo de desenvolvimento de uma árvore frutífera, ou qualquer espécie vegetal próxima de você e de seu grupo local. A idéia é que seu ciclo de vida vai gerar volts, energia para ser consumida e transformada em catarse em nossos rituais de recombinação de dados. Trabalharemos com a poética deste acompanhamento de um ciclo biológico, como uma metáfora do nosso próprio ciclo de relacionamentos em rede e como um estímulo para aproximar o processo tecnológico do tempo de seu ecossistema. ” Orquestra Organismo 


Nos percursos do novo milênio, dos avanços tecnológicos, sobretudo na comunicação de novas mídias e sua popularização, aconteceram as primeiras táticas de aglomeração[4], criativas e inteligentes, mediadas por mensagens em rede, como foi o caso do primeiro “Smart Mob”, que culminou com a retirada do presidente das Filipinas do poder em 2001. Mensagens de celular geraram o primeiro “Flash Mob” em 2003, que mobilizou mais de 100 pessoas para uma ação simbólica e crítica ao consumo excessivo norte americano, em uma de suas mais importantes lojas de departamento, repercutindo na mídia da cidade de Nova York.


No centro da cidade de São Paulo em 2005, manifestou-se um movimento cultural importante, gerado pelo encontro do movimento de artistas, ativistas e coletivos de arte com o movimento social por habitação MSTC[5], atuantes na Ocupação Prestes Maia, a maior ocupação vertical da América Latina naquele momento. Este movimento chamou-se Integração Sem Posse[6]. Articulando e mobilizando outras tantas participações e organizações diversas, haviam quatro eixos estratégicos integrados:

1) articulação dos movimentos;

2) ações artísticas no contexto especifico da Ocupação Prestes Maia e seu entorno;

3) acompanhamento Jurídico;

4) comunicação e inserção discursiva e imagética dos acontecimentos nos cadernos de cidades e sociedade da mídia impressa oficial e televisiva.


O movimento cultural criou história e transformou para sempre os que estavam diretamente envolvidos: estimulou o sentimento de comunidade local e a valorizou; conseguiu construir na mídia o discurso que antes era de invasão de propriedade privada para ocupação de espaço urbano sem função social ativa; resistiu a diversas reintegrações de posse e fortaleceu as centenas de famílias para o acordo por moradia digna em habitações populares com o governo; ajudou a criar o “Dossiê Violações de Direitos Humanos no Centro de São Paulo – Propostas e Reivindicações para políticas públicas”[7]; e também agitou o sistema hegemônico da arte na capital econômica do Brasil, ao intensificar a função pública do fazer artístico, expandindo a arte contemporânea de um lugar especifico para práticas artísticas em ação direta em um contexto local e complexo, estabelecendo outras tantas relações sensíveis, criativas, estéticas e políticas nem sempre confortáveis.


Os múltiplos caminhos que nos permitem as redes colaborativas da sociedade, potencializadas pela tecnologia (principalmente a internet) e a comunicação tática, tornam mais recorrentemente visíveis uma série de manifestação, com estruturas e dinâmicas que apresentam padrões reconhecíveis em outras organizações comunitárias do reino animal.


Estão surgindo novas formas de organização social rumo a governança não-hierárquica, mobilizadas pela confiança, transparência e colaboração entre os integrantes, focados no conhecimento livre, na ressignificação do trabalho, no estabelecimento de novos valores e ética, na busca por outras economias e sobre tudo, outros modos relacionais, uma ecologia da cultura colaborativa.


Por outro lado, em ritmo de urgência, no cenário atual, já virando a espiral da primeira década do século XXI, eclodem os problemas sócio-ambientais com a necessidade de tomada de consciência de que os recursos naturais são finitos [como o fornecimento de água potável] e há fragilidade produtiva [de alimento inclusive] em grande escala, hiper-dependente da energia e combustível fóssil, que tem no chamado pico do óleo[8] e nas inegáveis mudanças climáticas[9], o aceleramento dos processos a passos tão largos quanto os avanços tecnólogos e genéticos, delimitando fronteiras [de espaço e tempo] para um importante e necessário redesenho sócio-cultural-ambiental.


Nesse contexto, não se trata de uma apologia a uma arte-ecológica ou de um retorno romântico à natureza intocada, ou ainda viver na roça como a única forma de vida interessante. Tão pouco, viver em uma bolha, dependente da mais surpreendente tecnologia ou ainda povoar outro planeta. Mas sim, reconhecer e compreender a produção crítica e criativa que dialoga com os princípios éticos e valores da ecologia profunda[10] e o estabelecimento de relações de respeito e equilíbrio com o meio ambiente e os seres vivos, para colaborar com a existência da diversidade das espécies e culturas, nutrindo-se dela e vice-versa. Desta forma, sem cristalizar qualquer espécie de rótulo ou esperar formulas, preserva-se as sabedorias tradicionais e o pouco do que nos resta do meio ambiente selvagem, ao mesmo tempo em que são gerados novos paradigmas, organizações, vocabulários e mais práticas criativas em campos de atuação consciente.


***

[1] A foto, os desenhos sistêmicos e o texto na versão integral são concebidos por FLAVIA VIVACQUA – Artista, Educadora e Designer Cultural e Sustentabilidade. Diretora Fundadora da agencia de Designer Cultural e Sustentabilidade NEXO CULTURAL, para consultoria, estratégia, criação e facilitação de projetos e processos (www.nexocultural.com.br).  Esse texto foi parcialmente publicado no catalogo Ponto Florestal, arte, vídeo e ecologia, em setembro de 2009.


[2] Alguns artistas emblemáticos desse período nos EUA e Europa: Robert Smithson, Nancy Holt, Walter de Maria, Gordon Matta Clark, Betty Beaumont, Agnes Denes, Richard Long, Hamish Fulton e Andy Goldsworthy. No Brasil podemos citar: Helio Oiticica, Lygia Clark, Cildo Meireles e Paulo Bruscky. Eles atuavam nas mais diversas e novas linguagens, como Performances, Intervenções, Ações Diretas, Happenings, Instalações e toda sorte das experimentações multimídias.


[3] PERMACULTURA, originalmente o termo surgiu do conceito de ‘permanent agricultura’ e mais tarde ampliou-se para significar ‘permanent culture’. Trata-se da utilização de uma forma sistêmica de pensar e conceber princípios ecológicos que podem ser usados para projetar, criar, gerir e melhorar todos os esforços realizados por indivíduos, famílias e comunidades no sentido de um futuro sustentável. (http://pt.wikipwdia.org/wiki/Permacultura).


[4] Conceito criado por Ricardo Rosas em texto de mesmo nome para o Festival Reverberações 2006, www.reverberacoes.com.br .


[5] A aproximação de artistas com o MSTC – Movimento Sem Teto do Centro, aconteceu pela primeira vez em dezembro de 2003 com a exposição ACMSTC – Arte Contemporânea no Movimento Sem Teto do Centro.


[6] No momento de batismo do movimento cultural Integração Sem Posse os artistas articulavam-se pelo CORO – Coletivos em Rede e Organizações, ativa de 2003 a 2014, focada na cultura colaborativa e nos processos coletivos de trabalho e criação, www.corocoletivo.org .


[7] Dossiê em PDF ou impresso: http://dossie.centrovivo.org/Main/HomePage, organizado pelo Fórum Centro Vivo.


[8]Pico do petróleo é o ponto em que não mais podemos aumentar a quantidade de petróleo que extraímos, e globalmente a sua produção entra em um declínio irreversível. Isso acontece tipicamente quando se extraiu de um campo cerca de ½ de todo o petróleo que poderia ser extraído dele – não é quando o petróleo acaba. Outro ponto fundamental que nos chama a atenção essa teoria são sobre as substancias e gases tóxicos como o CO2, que antes estavam estáveis por milhões de anos em camadas subterrâneas da Terra e pela extração e manipulação industrial são liberados na Biosfera, causando impactos irreversíveis. Essa informação foi recolhida da TransitionNetwork.org.


[9] Mudanças climáticas ou Aquecimento Global são efeitos da aceleração do ciclo natural do planeta pela alta concentração de CO2 e outras substancias tóxicas como metano na atmosfera, potencializadas pelas ações extrativistas e poluentes dos seres humanos. Essa informação foi recolhida daTransitionNetwork.org


[10] Conceito proposto pelo filósofo e ecologista norueguês Arne Naess em 1973, como resposta a paradigma dominante e à visão dominante sobre o uso dos recursos naturais.


*texto publicado no caderno INTERAÇÕES FLORESTAIS.


4 visualizações0 comentário
bottom of page